Terça feira, 12 de Janeiro de 2016
SOBRE O FASCÍNIO
Às vezes fico a olhar para aquelas pessoas que se sentem fantásticas quando paramos o carro para as deixar passar numa passadeira. Eu sei que é obrigatório, mas mesmo assim, quando vou a pé, tenho o reflexo de agradecer a quem pára para me deixar atravessar a rua. O que me intriga não é tanto a ausência de agradecimento, é mais uma altivez imperial, um empinar de nariz de alguns indivíduos, seguido de um andar vagaroso, qual desfile, como quem exibe ao mundo que ali, naquele momento, quem manda naquela passadeira é ele. Fico perplexo ao ver como usam uma passadeira para exercer ao máximo aquele momento de poder, de insuflação do “ego” até chegarem ao outro lado da rua e continuarem a sua vida normal. Não é nada de novo esta síndrome também muito típica nos porteiros de discoteca. Claro que existem porteiros normais mas a verdade é que já todos testemunhámos aqueles personagens que acreditam que estar à porta de uma discoteca é sinónimo de estar às portas do Céu, mas em vez de ser um S.Pedro, que nos deve tratar com alguma simpatia, são como adolescentes em êxtase total com o poder sagrado de escolher os que ascendem pela porta de entrada e os que vão comer caldo verde para a 24 de Julho. Algumas outras profissões permeáveis a este tipo de síndrome: seguranças, polícias, funcionários de repartições de Finanças ou outras, patrões (vítimas de promoção recente), políticos em ascensão, relações públicas de eventos badalados, críticos musicais, etc. !
Claro que em todas as profissões existe muita gente decente, talvez até a maior percentagem, aqui estou apenas a falar dos que à mínima nesga de poder se perdem no fascínio da luz.
O que eu não gosto é da transformação que se dá nas pessoas quando a confiança que lhes é dada é confundida com uma espécie de consagração exposta numa montra para mostrar ao mundo onde se chegou. É triste quando se vê alguém, que parece ter discernimento e caráter, a desconstruir-se à medida que se depara cara a cara com esta sensação de controlo e influência. Qualquer situação dessas, que devia ser um momento de revelação e humildade, se transforma em mais um degrau na corrida cada vez mais agressiva e cega para o sucesso, para o tal poder! Eu sei que muitas vezes grande parte deste fascínio vem dos parasitas que estão à volta da pessoa em foco, mas se somos fortes o suficiente para merecer a confiança que nos é cedida, não somos fortes o suficiente para liderar.
Quem terá sido a primeira pessoa a ter a ideia de que uma derrota era afinal uma vitória, mas que para isso todos os derrotados teriam forçosamente que se juntar e se entender, ou fingir que se entendiam? Todos juntos no mesmo fascínio de ficar mais perto de um lugar de poder que não lhes foi realmente concedido? Quem foi a pessoa que teve esta ideia? Quem foi o primeiro a concordar? Quem foi que disse “olhem que esta marosca é tão absurda que pode resultar!”, e todos os que estavam naquela mesa de café juntaram os copos e disseram “vamos lá mandar o barro à parede a ver se cola. Vamos!!”.
Não seria mais bonito o caminho ser o justo? No tempo certo? Sem pressas? Com caráter?
…e pensar que este gostinho pelo poder (esta revelação), que aquele sorrisinho de satisfação pode ter começado num desfile vagaroso sobre uma simples passadeira duma qualquer cidade em Portugal!
Tiago Bettencourt/Compositor
Revista VISÃO
Texto selecionado pela BE